Por que as pessoas sofrem?
- Vó, por
que as pessoas sofrem ??? - Como é que é ???
- Por que as "pessoas grandes" vivem bravas, irritadas, sempre preocupadas com alguma coisa ???
- Bem, minha filha, muitas vezes porque elas foram ensinadas a viver assim.
(silêncio).
- Vó...
- Oi...
- Como é que as pessoas podem ser ensinadas a viver mal ??? Não consigo entender.
- É que elas não percebem que foram ensinadas a ser infelizes, e não conseguem mudar o que as torna assim. Você não está entendendo, não é, meu amor ???
- Não, Vovó.
- Você lembra da historinha do Patinho Feio ???
- Lembro.
- Então..., o Patinho se considerava feio porque era diferente de todo mundo. Isso deixava-o muito infeliz e perturbado, tão infeliz que um dia ele resolveu ir embora viver sozinho. Só que o Lago que ele procurou para nadar tinha congelado, e estava muito frio. Quando ele olhou para seu reflexo no lago, percebeu que ele era, na verdade, um maravilhoso cisne. E assim se juntou aos seus iguais e viveu feliz para sempre.
(mais silêncio)...
- O que isso tem a ver com a tristeza das pessoas ???
- Bem, quando nascemos, somos separados de nossa "natureza-cisne". Ficamos como patinhos, tentando caber no que os outros dizem que está certo. Então passamos muito tempo tentando virar patos.
- É por isso que as pessoas grandes estão sempre irritadas ???
- Isso !!! Viu como você é esperta ???
- Então é só a gente perceber que somos cisnes que tudo dá certo ???
(engasgou)...
- O que foi, vovó ???
- Na verdade, minha filha, encontrar o nosso verdadeiro espelho não é tão fácil assim. Você lembra o que o patinho precisava fazer para se enxergar ???
- O que ???
- Ele primeiro precisava parar de tentar ser um pato. Isso significa parar de tentar ser quem a gente não é. Depois, ele aceitou ficar um tempo sozinho para se encontrar.
- Por isso ele passou muito frio, não é, vovó ???
- Passou frio e ficou sozinho no inverno.
- Por isso que o papai anda tão sozinho e bravo ???
- Como é, minha filha ???
- Meu pai está sempre bravo, sempre quieto com a música e a televisão dele. Outro dia ele estava chorando no banheiro...(emudeceu durante algum tempo). Essas crianças...
- Vó, o papai é um cisne que pensa que é um pato ???
- Todos nós somos, querida.
- Ele vai descobrir quem ele é, de verdade ???
- Vai, minha filha, vai. Mas, quando estamos no inverno, não podemos desistir, nem esperar que o espelho venha até nós. Temos que procurar ajuda até encontrarmos.
- E aí viramos cisnes ???
- Nós já somos cisnes. Apenas deixamos que o cisne venha para fora, e tenha espaço para viver.
(A menina deu um pulo da cadeira).
- Aonde você vai ???
- Vou contar para o papai, o cisne bonito que ele é.
A boa vovó apenas Sorriu !!!
Autor: Marco Antonio Spinelli
Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta de Orientação Junguiana
Mestre em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da USP
Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta de Orientação Junguiana
Mestre em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da USP
Um momento no tempo
"O que
é Destino?", foi a pergunta feita a Nasrudin por um estudioso.
"Uma
sucessão interminável de eventos entrelaçados, um influenciando o outro."
"Não é
uma resposta muito satisfatória. Eu acredito em causa e efeito."
"Muito
bem. Veja só aquilo", respondeu Nasrudin, apontando um cortejo que passava
justo por aquela rua.
"Aquele
homem está sendo levado à forca. Por que será? Por que alguém lhe deu uma moeda
de prata que lhe permitiu comprar a faca com a qual cometeu o assassinato? Ou porque
alguém testemunhou o crime? Ou foi porque ninguém o impediu de cometê-lo?"
Do livro: Histórias de Nasrudin -
Edições Dervish
Um menino de futuro
O que o anjo
faria com aquele menino desleixado?
Era uma vez
um menino muito desleixado e mal-educado. Se tirava, não guardava. Se guardava,
era de qualquer jeito. Se tirava a roupa, onde caía, ficava. Escovava mal
escovado, quando escovava. Penteava atrapalhado.
Seus pais
tentavam fazer com que ele melhorasse. E falavam no seu ouvido. E falavam de
novo. E filho isso, filho aquilo, faça assim, nao faça assado. Mas ele não
melhorava, nem um pouquinho que fosse.
Porém, o
menino tinha um anjo da guarda muito paciente e bom (haverá algum que não
seja?), que se preocupava com ele. O anjo sabia que, se o menino continuasse
assim, seria muito ruim para ele. Já havia tentado aparecer nos seus sonhos,
sem resultado. Então o anjo tomou uma decisão: iria aparecer de verdade para o
menino. É, anjos não costumam aparecer, mas podem quando querem. E ele assim o
fez.
Um dia, o
menino tomava seu banho (desleixado) quando chamou sua atenção uma luz suave
entrando pela pequena janela do banheiro. Seu coração bateu mais forte: a luz
foi tomando forma, a forma de um moço bonito, com belas asas brancas e vestido
com uma bata azul, suspenso no ar. O garoto não sabia se gritava, se pegava a
toalha ou se corria, e ficou imóvel, de boca aberta e olhos arregalados,
olhando o anjo.
O anjo fez
um sinal para o menino fechar a torneira do chuveiro, e ele o fez. Em seguida
apontou para a parede, onde começaram a surgir imagens, como num filme. Ao se
ver no filme, o menino se interessou, e até se esqueceu de perguntar quem era o
anjo. Esqueceu-se até de que estava pelado.
E o menino
viu, nas imagens muito coloridas do filme, ele mesmo. Não o menino desleixado e
mal-educado. O que ele viu foi a si mesmo guardando suas roupas no armário.
Viu-se escovando muito bem os dentes, e viu estes muito brancos e bonitos. E se
viu brincando e também organizando seus brinquedos. Viu-se brincando na terra e
depois colocando as roupas sujas no cesto de roupa para lavar. Viu-se
respeitando os mais velhos, e também os mais novos. Viu também como tinha tempo
para estudar e para brincar. E viu mais: viu como seus pais ficavam satisfeitos
com ele. Viu como tinha muitos amigos, e como os amigos gostavam dele, e os
pais dos amigos também gostavam dele.
E o filme
continuou a passar, com cores bonitas. O menino do filme foi crescendo.Passando
de ano na escola com boas notas. Brincando, na hora de brincar. Namorando, na
hora de namorar. Ajudando nas coisas da sua casa. Tudo com muito capricho e
cuidado. Viu-se também ajudando pessoas, e sendo ajudado. Em cada idade, muitos
amigos e amigas, e uma expressão feliz. Viu-se também errando algumas vezes, e
aprendendo muitas coisas interessantes com os erros. E viu que ele também
estava mais satisfeito consigo mesmo. Eram tantas coisas bonitas que o menino
sentiu vontade de entrar no filme.
De repente,
ao lado desse filme surgiu outro filme, com imagens bem diferentes, que o
garoto conhecia muito bem. Nestas novas imagens aparecia ele, o garoto
desleixado, escovando mal os dentes. Tratando mal as pessoas. Fazendo seus
deveres de qualquer jeito. Quando o garoto do segundo filme começou a crescer,
repetindo o ano na escola e com os dentes cariados, o menino, desviando o olhar
das imagens, tapou os olhos com as mãos. O anjo viu que ele tinha percebido o que
iria aparecer ali, e as imagens do segundo filme foram enfraquecendo, enquando
o primeiro filme ficava ainda mais belo.
Nesse
momento, alguém bate na porta e ouve-se a voz da mãe do menino reclamando da
demora. O menino, tirando as mãos dos olhos, vê o anjo levando o dedo indicador
à boca, como quem diz: "você não precisa contar para ninguém". As
imagens na parede sumiram e o anjo foi voltando à forma de luz até desaparecer
pela janela, enquanto o menino olhava, maravilhado.
Ouvindo de
novo a voz da mãe insistindo, o menino respondeu, enquanto esfregava atrás das
orelhas com a bucha:
- Mamãe, é
que estou caprichando!
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